domingo, 11 de outubro de 2009

Eraserhead

Eraserhead (Eraserhead, 1977, EUA). Direção: David Lynch. 89 minutos.
Eraserhead é o primeiro filme do cineasta outrora maldito e hoje cult David Lynch, e mesmo sem ter assistido todos os filmes do diretor, acredito que seja o melhor dele. O motivo? O filme (que tinha como fã assumido ninguém menos que Stanley Kubrick) é o máximo de bizarrice, surrealismo, escatologia e humor negro, que Lynch alcançou. (isso porque não vale contar o delírio de 3 horas de duração que é Inland Empire) Toda essa força vem, principalmente, do fato de que tudo aquilo que assistimos muito tinha haver com o momento que o próprio Lynch vivenciava: Sua vida estava se transformando em um tormento, onde se viu perdendo o controle, engravidando sua namorada e se vendo obrigado a casar com ela. Isso para um diretor em começo de carreira cheio de sonhos (e que sonhos, diga-se de passagem) acabou se transmutando em um pesadelo claustrofóbico. E pra piorar, sua filha (Jennifer Lynch, que viria a se transformar futuramente em uma diretora de cinema tão estranha quanto o pai) nasceu com algumas deformações nas mãos.

Mas sábio é o artista que sabe usar sua dor como matéria prima para sua arte. E foi exatamente o que Lynch fez, dê só uma olhada na sinopse de Eraserhead:

Henry Spencer (Jack Nance) é um reservado operário de uma fábrica que se vê obrigado a casar com Mary X, uma antiga namorada que se diz grávida dele. O bebê nasce uma aberração, que faz com que Mary abandone Henry para que ele cuide da “criatura” sozinho.

Não é preciso nem dizer que qualquer semelhança (apesar dos exageros surrealistas) não é mera coincidência, e que Henry assume explicitamente o posto de alter ego do diretor. Bem, vamos ao filme: Eraserhead tem um dos começos mais estranhos e ao mesmo tempo originais da historia do cinema, neste, logo de cara somos bombardeados com uma série de imagens estranhíssimas que parecem ter saído de outro planeta. A imagem da cabeça de Henry é sobreposta sob a imagem de uma espécie de meteoro, logo a câmera começa a se aproximar desse estranho meteoro e passear por sua superfície escura. Lá dentro um homem, com a pele cheia de escoriações e queimaduras observa uma janela. Volta para imagem da cabeça de Henry, que agora esta com a boca aberta e de onde sai uma espécie de espermatozóide gigante e deformado que fica flutuando sob sua cabeça (!). Paralelamente vemos mais uma vez o homem de pele escoriada puxar algumas alavancas que fazem com que o esperma mutante que saiu da boca do protagonista ganhe propulsão e viaje até acertar em cheio uma poça com um liquido imundo que se encontra na superfície do meteoro.

Der repente todas aquelas imagens, antes aparentemente desconexas, parecem ter um absurdo sentido. Não restam duvidas, acabamos de ver a representação de um ovulo sendo fecundado.

Depois disso o filme parece dar uma trégua para que respiremos um pouco, somos apresentados a Henry e sua pequena e desanimada vida. Cenas cotidianas onde o protagonista caminha cabisbaixo pelas ruas de um bairro industrial aparentemente abandonado (filmadas com um extremo bom gosto, diga-se de passagem) nos revelam muito sobre o personagem sem dizer nenhuma palavra, só pelas expressões faciais e o jeito de andar de Henry, já podemos imaginar muito sobre aquele homem que parece ser tão deprimido. E isso é um aspecto importante do filme: sustentado mais pela força das imagens do que das palavras, são raros os diálogos (com exceção da cena do jantar onde acontecem os melhores e também os mais bizarros) e quando eles aparecem são tão estranhos, que chegam a ser engraçados.
Chegando a seu apartamento, Henry recebe uma mensagem que lhe informa que ele foi convidado para um Jantar na casa de uma moça chamada Mary. Seu desespero ao saber disso é visível, é como se ele previsse a mudança que aquele jantar anunciaria em sua vida.

O jantar na casa de Mary é a cena mais engraçada do filme, é como se fosse um alivio cômico para que o espectador encontra-se energias para agüentar todo o pesadelo Kafkiano que ainda estava por vir. Nesse jantar ele é apresentado à mãe da garota que inicialmente o recebe com certa frieza (aquele tipo de situação constrangedora onde o visitante é encarado com um olhar de “então é você que está comendo minha filhinha né? seu rato imundo”). Um tímido dialogo de apresentações se segue, mas Henry parece prestar mais atenção na cadela amamentando dezenas de filhotes no canto da sala do que no interrogatório da sogra. Não demora para que o pai da moça adentre no recinto, e o homem é um ser ímpar, totalmente avesso a figura clichê de sogrão nervoso e intimidador, o pai de Mary é um velhinho totalmente perturbado pelos anos de trabalho como encanador e tenta a todo momento passar a imagem de uma família americana perfeita e feliz para Henry, mesmo que ambos saibam que ela esta desmoronando. Tem também a figura dá avó múmia, uma velha que parece que morreu e esqueceram de enterrar, ela fica no canto da cozinha como se fosse um objeto inanimado e só abre a boca para que alguém coloque um cigarro e acenda pra ela.

Como não se encantar por uma família assim? O jantar não é menos bizarro que os membros da família, não vou falar mais pra não estragar a surpresa de quem não viu, mas com certeza é top 5 dos jantares mais engraçados e estranhos da historia do cinema. Após a bizarra cena, Henry é chamado pela sogra em um canto.

- Você e Mary tiveram relações sexuais? Hein? Tiveram?
- Desculpe.
- Você estará muito encrencado se não cooperar rapazinho.

E então a velha começa a literalmente “chegar junto” no rapaz! Com direito a lambida no pescoço e tudo! Até que a filha chega chorando e repreende a mãe, esta no maior cinismo do mundo como se nada tivesse acontecido, se separa e diz “anda responda a minha pergunta”. Ele diz que sim e ela lhe informa que existe um bebê e que ele é o pai.

“AINDA É INCERTO SE É UM BEBÊ” diz a filha chorando.

O que vem daí pra frente não deve ser comentado; nenhuma palavra seria capaz de fazer juz às incriveis imagens que representam o pesadelo surreal que nosso protagonista mergulha. O que afirmo é que, apartir daí, o que veio fez historia, e, mais do que imagens — é uma experiência da qual ninguém sairá ileso.

O choro daquele “bebê” ecoa até hoje na minha cabeça.

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